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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Entrevista com a Julie por Círculo de Leitores

Círculo de Leitores (CL) – Tem um particular cuidado na descrição de ambientes. Em «A Confissão» conhecemos Holy Oaks (“carvalhos sagrados”) uma cidade acolhedora com personagens muito típicas. Subitamente, tão pacata cidade torna-se cenário de um diabólico plano de vingança. O que escondem as calmas cidades da América profunda que sempre inclui nos seus romances?
Julie Garwood (JG) - Construí Holy Oaks a partir das várias pequenas cidades que conheço e onde normalmente as pessoas são afáveis, ao mesmo tempo que qualquer novidade tende a circular depressa entre a comunidade. Nessas cidades ainda se respira uma sensação de segurança e tranquilidade. Talvez por isso, pelo contraste, me tenham parecido o cenário ideal para o perigo e suspense. Não me importava, por exemplo, de voltar a Holy Oaks, à sua calma, seria aliás um fabuloso cenário para Morganstern treinar os seus agentes de elite.

CL – E por falar em Morganstern, a dada altura, conversando com o agente do FBI, Nicholas Buchanan, ele defende que na maior parte das vezes as pessoas preferem acreditar na loucura do serial-killer a admitir a sua pura maldade. Concorda com as palavras da personagem?
JG - Existem actos que não podemos simplesmente atribuir a uma má infância ou a distúrbios de personalidade. Acredito que a um determinado nível a explicação passa pela maldade, pelo perverso desejo de magoar ou destruir.

CL – Julie Garwood é mundialmente conhecida pelos seus romances históricos. Com «A Confissão» inicia-se num outro género, e do suspense. Foi uma consciente mudança de rumo?
JG - A ideia para «A Confissão» surgiu há anos atrás quando visitava uma antiga igreja inglesa. Dei por mim a espiar quem entrava e saía da sombra do confessionário. A imaginação tomou então conta de mim e comecei a visualizar uma cena no interior no confessionário. Como na altura estava a escrever um romance histórico tentei enquadrar essa cena no ambiente do livro, mas quanto mais pensava mais percebia que essa cena pedia uma voz contemporânea, por isso a escrevi no presente. Entretanto, como «Sem Perdão» teve um impacto tão positivo junto ao público, e os meus editores me pediram mais livros do mesmo género, decidi continuar a explorar o romance contemporânea de suspense. Adorei a mudança de ritmo que isso me impôs e, ao mesmo tempo, fez-me sentir saudades do romance histórico. Actualmente estou a trabalhar num romance que se passa na Idade Média, mas gostava na verdade de ter tempo para escrever em ambos os géneros.

CL – E faz algum tipo de pesquisa para os romances de suspense?
JG - Sim. Faço questão de viajar até aos lugares que planeio usar como cenários da história para assim captar o ambiente, a paisagem, as pessoas. Procuro ainda especialistas nas matérias que pretendo abordar, e leio muito sobre os temas que me proponho escrever. Por outro lado a internet tem sido um inegável auxiliar. Se, por exemplo, quiser introduzir um episódio em que um carro se avaria em plena auto-estrada, basta uma simples pesquisa na internet para ficar a saber tudo sobre carros e radiadores.

CL - Depois de «A Confissão», apresenta-nos outro dos irmãos Buchanan, Theo, advogado do Departamento de Justiça. Da luxuosa Nova Orleães à cidade de Bowen, o que se altera em Theo?
JG - Theo encontrará o amor em Bowen. Será também ali, naquela pequena cidade da Louisiana, que percebe como as suas capacidades de advogado podem ser usadas para ajudar as pessoas. Acaba, na verdade, por descobrir um outro sentido para a sua vida.

CL – É porém em Bowen, novamente uma simpática e pequena cidade, que se cruza com uma perigosa sociedade secreta. O que aconteceu aos homens que fazem parte dessa sociedade? O que os levou tão longe? O que os levou ao crime?
JG - «O Testamento» é sobre a cobiça. Os quatro membros do clube secreto fazem qualquer coisa por dinheiro. Quando percebem que o seu plano está em perigo de ser exposto, e que podem perder tudo, tomam medidas extremas. Para proteger o seu esquema estão dispostos a matar. A ganância acabará por marcar a sua desgraça.

CL – Em «Prazer de Matar» subverte a típica figura materna. Pode falar-nos um pouco de Jill, e da sua filha Avery?
JG - A personagem de Jill foi um desafio para mim. Ela é uma verdadeira sociopata, alguém sem consciência ou senso de responsabilidade. Todos pensamos que uma mãe terá algum tipo de instinto materno pelos seus filhos, mas Jill não o tem simplesmente. O seu egoísmo nunca deixou espaço para o amor. Há por isso uma profunda tristeza neste livro... É difícil imaginar uma criança que percebe que não é amada pela sua própria mãe.

CL – Ainda assim essa criança, Avery, sobrevive. Mesmo abandonada pela mãe, assistindo à morte da avó, torna-se uma exímia agente do FBI. O que distingue mãe e filha, sendo ambas tão fortes?
JG - Avery cresceu com o amor da avó e da tia, recebendo a afectividade que também Jill tivera. Tento talvez mostrar que nascemos para ser aquilo que somos. Enquanto a Jill sempre faltou algo, Avery, apesar de todas as adversidades, torna-se numa pessoa completamente diferente da mãe.


CL – Em «A Proxima Vitima» conhecemos mais um dos irmãos Buchanan, desta feita, Alec. Guarda-costas de uma poderosa herdeira, acaba por se envolver com a mulher que deve proteger do perigo. Qual o papel das emoções nos seus livros? São elas o verdadeiro epicentro da história, ou são apenas uma forma de apimentar o suspense?
JG - A emoção é o centro. Coloca boas pessoas em situações críticas e gosto de observar a sua reacção. É esse o meu método. O mistério e o suspense servem para espicaçar os sentimentos.


CL – No romance seguinte, «Marcada para Morrer», Dylan Buchanan, um polícia de Bóston, tenta perceber a mente de um perigoso assassino. Ao mergulhar no seu mundo de desejo, na sua luxúria, não corre o risco de ultrapassar a fronteira da sua própria racionalidade?
JG – Dylan tem um carácter forte, nada o fará ultrapassar essa fronteira. Apesar dos heróis nos meus livros terem defeitos, é importante para o leitor que o herói consiga enfrentar qualquer situação. Por outro lado não quero que seja sempre o “homem”, o herói a salvar tudo e todos. Também quero que as heroínas, pressentindo o perigo, se saibam desembaraçar. Por exemplo Kate Mackenn, que parece tão frágil, não está absolutamente desamparada à espera do cavaleiro montado num reluzente cavalo branco para a salvar! Também ela se revelará forte e independente, capaz de lidar com situações difíceis.

CL – Refere logo no primeiro dos romances da série Irmãos Buchanan a grande família de oito filhos do juiz de Nathan Bay. Tinha em mente, desde o início, escrever uma série em torno de um núcleo familiar?
JG - São na verdade seis irmãos e duas irmãs. E sim, planei-o desde o início. Já contei a história de cinco deles, mas pretendo dar uma história individual a cada um dos Buchanan.

CL – E planeia sempre as suas histórias com tanto rigor e antecedência?
JG - Imagino a história e sei como começa, mas não sigo um rigoroso esquema. Deixo que a história aconteça, que me surpreenda. São afinal as reviravoltas, o inesperado que surge durante o processo de escrita que a tornam tão intensa e divertida.

CL – As suas personagens – agentes do FBI, polícias, advogados – usam muito a palavra “instinto”. O que não deixa de ser curioso face às actuais técnicas de pesquisa que permitem aferir provas com grande rigor científico.
JG - As personagens que descrevo têm de agir rapidamente. Por vezes não têm tempo para fazer uso de qualquer tecnologia para aferir a melhor acção. Quando escrevo um livro de suspense tenho de confiar no instinto das personagens, na sua capacidade para resolver as situações. Se alguém está em perigo o herói tem agir, não analisar. Movido pelo medo, pela raiva, pelo amor, é imperativo que siga o seu instinto.


Fonte: http://www.circulo.pt